editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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domingo, janeiro 29, 2006

Da série ErosGrafia - parte II

Desafio dos anjos

E foi assim durante um tempo. Foi assim durante o tempo que devia e era sempre, era um sempre. Na primeira noite não pararam e avançaram dia, como não para o Sol a deslizar suas madeiras pelas sendas do tempo, como não cessa o espelho da Lua a refletir a face da Terra mas, por puro capricho, numa face apenas, ocultando suas partes pudendas – que decerto as têm – mas que ficam lá do outro lado... Literalmente onde o Sol não bate.

Os movimentos que executavam causavam revolta nos ares do quarto – aliás, principalmente quando ela fazia as vezes de amazona e cavalgava o ímpeto de seu amado. Os ventos que, furtivos, encontravam a janela aberta, hora circulavam ao redor deles, e deles roubavam os perfumes de corpos em combustão que, diga-se, somente o sexo tem a faculdade de revelar. E, hora, passavam ao largo, ensimesmados, metidos: fingiam ignorar o belo ato.

Percebendo o movimento do ar que paira, ela pára, e neste instante reescreve na mente as idéias juvenis de exibicionismo. E as saboreia. Na posição em que estava, sobre seu cavalo, permitia à vista da janela, este olho indiscreto, somente a face das costas de suas ancas, largas e vistosas. Com um sorriso inescrutável, tapou os olhos de seu parceiro que obedeceu, ainda deitado. Virou seu corpo de maneira que pudesse, em primeiro lugar, pousar a púbis na boca dele. Em segundo, enfrentar o olhar da janela que ia dar no céu.

Decorreu desta posição que seu parceiro absorvesse a idéia a contento. O misto vertiginoso de um privilegiado olfato, dada a proximidade dos aparelhos; o gosto inexprimível das águas de passagem, que há pouco permitiam o adentrar dum corpo noutro: estes líquidos clandestinos que aprendera a venerar; e o prazer intenso do tato da língua que apontava para cima, e que contra ela vinha se esfregar os grandes lábios que não beijam. E como se esfregavam.

Ademais, decorreu um olhar desafiador da amazona que, sentada sobre a face de seu amado, fazia movimentos tão intensos que mesmo este narrador ruboriza na tentativa vã de uma descrição mais acertada. O fato é que ela olhava a vista da janela, que oferecia a íris do céu, e gemia em tons de escárnio e deboche, deixando muito encabulados os anjos que no alto vivem. Tanto que enviaram uma ventania desproporcional e, em revoada, fecharam as janelas. Somente desta maneira o cotidiano pudico do paraíso não seria convocado a uma definitiva descida à casa dos prazeres.

No momento do gozo, ela riu, uma risada alegre de atrevimento e satisfação. E quando seu parceiro reclamava vida, posto que poderia sufocar, ela, se esfregando nele, ria mais: “cale-se menino, e direcione a língua para sua real destinação”. E o aliviava em momentos breves, em que se curvava e, ainda sobre ele... se calava também.

sábado, janeiro 07, 2006

Pois que há este perfil...


E pois que é assim, mesmo assim, e não doutra forma que é, e que pensa: que há uma gostosura só em sofrer, às vezes baixinho sofrer, leve e aveludado sofrer com uma boa bossa-nova. E que há uma alegria indizível naquele olhar atravessado, daqueles em que cada coração pára um pouco e um compasso incomunicável liga este coração a outro, e como ritmados que estão, passam a bater como um samba-canção bonito. E que há um prazer inominável naquele suspiro, o inadiável suspiro, o suspiro que varreria ruas como um tufão, caso fossem, as camas do mundo, colocadas às portas das casas. E que sempre há aquela coisa que está já na minha língua, desde o início dos tempos está já em minha língua, mas que só sai quando do beijo me animo. E que sempre há este abraço quieto, este abraço calado, que faz chegar-se à mim somente o gosto de quem eu gosto, e que me deleito na hora amarga, por ludibriá-la com a lembrança de um corpo bom. E que sempre há um medo muito meu, e que por não ser de ninguém, digo, não te preocupas, vá! E que há este teatro de coisas belas, e que de belas, de fato existem, mas que antecipo por crê-las maiores do que Deus. E que há esta revolta incontida, esta raiva primordial de ter estas coisas comigo, e que grato as daria, mas que jamais serão compartilhadas. E que há, e sempre houve, e sempre haverá, este mundo onde me encerro, e que teimo em tentar fazer nadar outrem na superfície, mas que jamais permitirei o mergulho onde se se afoga. E que há esta mancha negra, e que é sangrenta e feita de mim, e que é barulhenta e composta de tanto eu, e que por ser erva daninha, tenho andado capinando as faces da minha vida, para que a tal da vida possa vir a ser até mesmo mais feliz.