editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

Minha foto
Nome:
Local: mora na filosofia...

quinta-feira, março 25, 2010

O dobro ou nada.

Chegando à casa dos trinta anos vejo que não construí grandes coisas. Não tenho um carro, não tenho uma casa. Não plantei uma árvore sequer em minha vida – talvez nem mesmo metaforicamente. Não escrevi um livro, e não encontro um motivo verdadeiro para não tê-lo feito ainda. Não tenho filhos, nem tampouco outras dívidas. Não construí nada que se possa chamar de carreira. Isso sem contar que os trabalhos de que mais me orgulho de ter feito, não me trouxeram, de fato, retorno digno de nota. E mesmo tendo iniciado minha jornada de trabalhador antes dos quinze, cumprirei meus trinta anos desempregado. Assim, assim. O dobro ou nada.

O que me leva a pensar que aos quinze, trinta anos era um futuro tão distante quanto hoje me parece os sessenta. E mais: naquela idade pensava sobre minha existência com a mesma plenitude de agora. Naquele tempo – acreditava – era já um homem, amargurado e esperançoso como outro qualquer, na medida da reinvenção diária da vida. E o que mais poderia ser? O dobro. Ou nada.

Dramalhões aparte, também não posso reclamar de muita coisa. Nunca tive doenças sérias, mas me acomete a lembrança longínqua da catapora – alguém aí já teve de tomar banho em água roxa...? posso jurar que sei exatamente o cheiro daquele remédio. Já fui detido pela polícia, mas passei incólume por agruras mais sérias dentro da carceragem. Já a(r)mei e desa(r)mei, e, sabem o que dizem sobre o tal do amor... que é melhor que nunca ter amado. Já experimentei Deus e outras drogas alucinógenas, mas nada que me pudesse causar graves seqüelas. Já tive tempo para reclamar de não ter ido além dos limites de meu país, e de saber que meus sobrinhos – que são os filhos menos problemáticos que alguém pode ter – só poderão ouvir todas as minhas histórias quando completarem dezoito anos.

E por falar em idade, vem novamente a idéia dos quinze. Chamavam-me, àquela época, de adolescente. Adolescente, pois eu vivia numa crise infinda, pois não sabia muita coisa da vida, pois não sabia o que fazer do amanhã, pois tudo era uma descoberta, e descobertas levam à afirmação de um lugar pra mim na vida, e, sobretudo, por ter a certeza de que quando tivesse o dobro da idade que tinha, saberia a resposta para muitas perguntas... e agora, aos trinta, levo comigo o mesmo olhar. E só me resta aguardar os sessenta. O dobro... ou nada.

E sessenta anos, pelas minhas contas, estão logo ali. E digo mais: minha intuição sobre a morte é a de que viverei o suficiente para urinar na lápide de todos os que me são caros; o que, de fato, é uma grande merda. Espero que até lá tenha resolvido em minha cabeça que isso a que chamamos de vida é mesmo uma grande viagem, curta para alguns, arrastada para outros. Com alguma grandeza e um pouco de coragem tenho pensado que, até o presente momento, minha predileção pelo tesão da descoberta, em detrimento da punhetagem da nostalgia, me tem garantido o direito – e por que não dizer o dever – de estar vido. Eis o macete do meu xadrez: a crença de que o que virá, pode até não ser o melhor... mas é melhor que venha. Sempre.

Ah... já ia me esquecendo: aos quinze, um dos meus apelidos era Cabelo, por conta de minhas outrora longas madeixas. E hoje? Luto contra a calvície. O que me leva à reflexão mais sólida dos trinta anos: ou Deus goza da ironia fina dos filhos-da-puta, ou a vida é mesmo uma grande alucinação. O dobro ou nada.

Feliz aniversário a todos nós da casa dos trinta.