editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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sexta-feira, novembro 25, 2005

Às que sofrem...

Daí que me chegam, de tempos em tempos, imagens de desigualdade e logo vejo: há algo de muito estranho no mundo. Vejo pessoas que não tem grana, fama, cama, a se defender de intempéries temporais e sociais com míseras folhas de papelão e logo penso: deve haver algum mundo escondido, talvez sob paralelepípedos, que não seja tão horroroso. E observando, vejo suas peles ganhando cores de preconceito, e tudo fica pior. Ainda mais quando lhes creditam a pecha de atores das inúmeras violências cotidianas, quando na verdade são as vítimas privilegiadas deste movimento de iniqüidade. E a revolta acaba? Não, pois ao buraco do mundo, aquele abaixo de tudo, ainda reserva um lugar para passageiros rumo ao inferno: ser primeiro pobre, depois, quase preta de tão pobre, e ainda, ser mulher(s)(*).

E eu, sobre tudo não pobre, sobre muito branco, e acima de todas as coisas, homem, com que cara fico? Com que tipo de olhar vejo este mundo onde esta profunda desigualdade pôde se esgueirar por tão esguios labirintos? Ouço, numa mesa de bar, a evidência de que algo de muito grande está errado por estas bandas do universo, ou de que o tal de mundo anda mesmo uma merda:

Anta nº1: pô, véi, tá ligado que a democracia não existe?
Anta nº2: tá por fora, doido, resta ainda um lugar de democracia.
Anta nº3: Tá de sacanagem?!?
Anta nº2: Tô não, véi.
Anta nº1: Então, mandaí!!!
Anta nº2: São as mulhé, cara.
Anta nº1: e 3: Como assim?
Anta nº2: (filosofando?!?): Pô, quando se trata de mulhé, todo mundo pega seu pedaço, seja da elite ou do proletariado. Quando lance é mulher, não há latifúndio, todo mundo pode pegar igual!
Anta nº3: (risos)
Anta nº1: não, véi, nesse caso, sô latifundiário, hahaha, me amarro em pegar geral!
Anta nº2 e 3 (risos... de quê?!?) boto féééééé... mulher nunca é terra improdutiva, hahaha.

Que lindo: antas, homens, brancos e não-pobres, e prá melhorar, de movimentos de esquerda. “Onde é que há gente no mundo?”.
Minha homenagem às guerreiras, amigas e desconhecidas, às que são violentadas nos planos material e simbólico, todos os dias, em cada canto do globo. E minha solidariedade à luta deste dia 25, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, e todos os meus cumprimentos à iniciativa de Denise Arcoverde, do blog http://www.sindromedeestocolmo.com/, que propôs este dia de blogagem coletiva.

(*) segundo o IBGE, a "condição" de ser negra e mulher coloca dezenas de milhares de cidadãs na mais cruel faixa de exclusão social.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Garatuja

Por um acaso, o que o passo à frente dirá?
O que dirá-nos este espanto compartilhado de estarmos sós na vida?
O que dirá-nos este confronto intermitente de perdas e ganhos,
Essa escaramuça mal disfarçada de cotidiano?

Esse passo à frente, o que dirá?
Silêncio? Não por falta de voz: voz não faltará.
Palavras há, mas o que dirão, senão apenas e tão somente
O eco de nossas próprias vozes tateando o passo à frente?

E se não é já, o seu rosto, a parede aonde vão se chocar
Palavras que me escapolem e invadem sua seara,
E que voltam corrompidas pela garatuja da sua cara.
E, por um acaso, o que o seu rosto dirá?