editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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quinta-feira, julho 28, 2005

apenas um desabafo...

Daí que o filho pródigo volta ao lar. E foi uma longa jornada até aqui, daquelas nas quais a quilometragem se conta aos milhares. Fui à cata de muita diversão. Algo como o sono – ou a vigília, depende do ânimo – dos justos. Um merecido Pôr-do-Sol a quem trabalha no subsolo. Um merecido banho de Lua a quem não a vê passar. E é bem verdade, encontrei o que procurava: um casco de cerveja derrotado para cada quilômetro rodado.

O que não esperava era encontrar um tal de Brasil no meio do caminho de merecida diversão. Há uma cidade, não muito longe de outras maiores, não muito longe de onde a riqueza brota, ou “mana”, como o leite e o mel prometidos nas eras idas. O nome da cidade ficou por lá, juntamente com boa parte de minha moral.

Vocês sabem o que é a tal da fome, caros leitores? Eu achei que sabia. Afinal, ora mais, sou devidamente politizado. Leio livros sobre a seca, assisto a documentários engajados, participo de palestras, tenho opiniões, e – ora se não! – venho de família pobre sim senhor, legitimamente nordestina. Mas a fome...

Há um tal de Nordeste que não é uma ficção. Eu sempre soube que ele existia. Minha avó veio de lá. Tenho parentes lá. Destes que não conhecerei jamais. Todos temos. Todos sabemos. Mas da fome... ninguém me havia preparado para vê-la.

Minha visão turva das coisas me leva a uma incrível resposta à questão por mim mesmo, para mim mesmo, formulada: “como vivem, qual é o cotidiano dessas pessoas?” Querem saber até onde minha vista alcança?: “da mesma maneira como nós, perdidos”. Perdidos, todos somos, todos estamos, nessa diabólica ficção que nos anima a chamar de REALIDADE. A diferença é que para eles a morte não é um estado de rápida transição. Não é um apagar de luzes. Não é um instante. A morte é um estado que se prolonga, que se arrasta, que se se obriga a conviver, até um momento em que ela te abandona, onde se pode “viver” em paz.

E para aqueles que acabaram de ler estas baboseiras e acreditam que fiz alguma poesia em prosa sobre a condição do sertanejo, ou algo que se possa identificar como contribuição à literatura, esqueçam. O que escrevi é uma cópia barata de tantos outros que já escreveram sobre a miséria. Fato que torna cada lágrima minha, derramada por aqueles e aquelas, mais cínica, mais falsa.

Venho portanto compartilhar com vocês não uma visão de mundo, da esperança de dias melhores, sequer daquela velha revolta que nos anima a lutar, nem tampouco de saberes e dizeres sobre o Nordeste, daquela sapiência que nos ensina que é preciso mudar... venho para vocês compartilhar um trauma. Sim, o trauma de abraçar uma velha magra e ignorante, que não tem dentes, mas tem sorrisos, e que cujo abraço caloroso faz com que você jamais esqueça da visão prévia. Sim, aquilo ali eram mesmo ossos sob a pele, sem o esperado intermédio de carne que valha a saúde da alma.

Minhas visões documentárias, bem como as letras que li, não me prepararam para isso. O tato é o definitivo confronto. Saber o Nordeste é tocar o Nordeste, e se dispensam as disposições em contrário. Quero agora saber quem será o primeiro a dizer palavras de ordem e esperança... daquelas que tanto já ouvi, daquelas que tanto já falei.