editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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sexta-feira, junho 24, 2005

Da verdade que desafia minha memória

Sabem, um amigo confessou-me desconfiar de minhas impressões sobre a vida. Disse-me que as luzes que deito sobre os acontecimentos de meu cotidiano, e relatadas em meu blog, ou são falseadas, ou, antes, os próprios fatos não devem ter existido. "É muita fantasia, assim não pode ser", garnte. Enfim, encurralou-me a discorrer sobre meus escritos, classificando-os como "meramente literários" e que não corresponde, portanto, com uma dita realidade.

E eu, diante dessa bem intencionada desconfiança, poderia fazer mais o quê além de me rejubilar. Qual não foi minha felicidade em saber que minha retórica foi destituída de autoridade histórica. Aliás, tinha um enorme receio de que o título de bacharel, do qual me acusam, pudesse obrigar meus leitores a observar minhas memórias como documentos, antes de o verem como monumentos.

Em todo o caso, posso falar sobre as imprecisões dos edifícios que construo em minha jornada rumo ao inóspito lugar nenhum da crônica minha, chamada vida. Disporei em ordem de importância.

Minha avó, na VERDADE, é uma ex-guerrilheira que só muito recentemente recobrou a memória roubada por um tiro de carabina que, aliás, era endereçada ao atual presidente do PT, que minha avó jura que tinha medo de barata e dava o maior trabalho para as tropas de libertação bolchevistas. Ela, portanto, é uma senhora rude de expressão grave, ao contrário do que afirmo no post de 11 de maio.

Meu antigo apartamento, na VERDADE, não fala, como afirmo no post de 3 de maio. Ocorreu que ele perdeu tal capacidade por conta de uma inflamação na laringe, de tanto gritar gol de Ronaldo em Oliver Kan, na campanha do penta – ou seria do tetra?

Minha companheira de uma noite, na VERDADE, não tinha nada de esplendorosa e sequer merecia homenagens, como a que fiz no post de 14 de abril. Sua pele era áspera e esta longe de ser alva. Na verdade, tratou-se de uma índia, anciã, que por conta do transe da pajelança, perdeu-se da comitiva que ia ao planalto cobrar remarcação de suas terras – do tamanho de Trinidad e Tobago, ela garante, mesmo sem nunca ter pisado por lá. (desconfio que quando ela descobrir o tamanho de Trinidad e Tobago, acabará ficando com suas terras mesmo).

Enfim, fui pego no flagra. Minhas memórias são por demais romanceadas para incorrerem no absurdo de participar da vida REAL. Ufa! Ainda bem!

terça-feira, junho 14, 2005

De como as cartas nos podem fazer infinitos.

“Escrevo poesia à mão. O batuque das teclas não combina com o ritmo da mente e a música das palavras” (Mário Quintana)

O pensamento de um dos meus guias me remete à resistência que tenho aos e-mails e outras maluquices miraculosas da comunicação virtual (a exemplo dos blogs, claro). Há sempre o temor de minha parte de não poder traçar minhas letras ao sabor de um toque mais suave de minhas mãos. Justamente por isso me preservo de comunicar eventos de suma importância para meu espírito através das telas frias e muitas vezes estéreis dos computadores.

Em contrapartida, louvo as cartas. Do modo antigo e romântico das comunicações de outrora. Tenho, aliás, certa devoção ao toque do papel que será, mais tarde, abraçado pelo destino endereçado. E não se trata de uma força de expressão, pois, ante a insolúvel questão de um par distante, o que mais consola é trazer ao peito aquela folha desdobrada, como se desdobrada fosse a distância que separa as intenções dos gestos. Convenhamos, alguém aqui já abraçou a tela de um computador? (não responda, bruxinha!)

De qualquer maneira, guardo uns tantos receios quando, diante de mim, me desafiam as teclas insurretas. Não as tenho como parte de meu corpo, como por vezes faço, da ponta do lápis, a unha a ser roída pela cisma de um inseguro bem-querer manuscrito. Não raro, o papel leva o vestígio de lágrimas que saem sem-querer-querendo, e vão ser enxugadas somente na primeira de tantas lidas. Melhor ainda quando o envelope aberto vizinho à narina revela o aroma daquele corpo que lhe tem tanto apreço.

É na grafia de meus pensamentos, que deposito um quinhão de minha própria alma. Da maneira mais ridícula possível (não é mesmo, sr Pessoa...).

Há quem diga que as cartas não passam de monólogos querendo ser diálogo. Sei não! Acho que, antes disso, são diálogos intermináveis, posto que são revividas a cada releitura nas épocas que se vão. E que leve uma década, oras!, cartas não têm essa pressa, essa sangria desatada dos parágrafos eletrônicos.

De minhas mão, nas cartas, saem palavras que carregam pedaços de mim. Sejam nas lascas tímidas de meu coração, sejam nos pretensiosos nacos de meu cérebro, são inúmeros fragmentos, espalhando e dividindo minha existência aos milhares. Penso que, ao final de minha vida, terei espalhado tantos pedaços de minha pessoa que, se juntos, formariam uma outra, o que me leva a crer na formidável faculdade das cartas de guardarem em si um incógnito efeito multiplicador de corpos.

E para pessoa distante, apenas um recado:

“Estas frases são a minha voz
Esta carta... Sou eu!
Meu coração desfaz-se num grito
Se pudesse beijar por escrito
Com os lábios leríeis cartas minhas”
(Cyrano de Bergerac)