editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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quinta-feira, outubro 26, 2006

Seu Zé de Deus

Daí que meu avô morreu. Simples assim. Um dia, outro dia, e no seguinte, pimba! De supetão! Surpresa? Nem tanto, vamos lá! Seu Zé de Deus, nome imponente, ganhou deste último muitíssimas primaveras sobre a terra. Se bem gastas ou não, sabe Deus – Ele próprio, talvez nem o José. O fato é que a tristeza, nestes casos, é certa, inescapável. Um requerimento muito caro à nossa cultura. Vamos lá então: chorei. Um monte. Melhor dizendo, um lago. Justamente numa semana em que as coisas pareciam estar mesmo dispostas à caminhar para longe de mim. Salvo engano, até mesmo minhas amáveis plantinhas dão-me sinais de adeus. E justo quando o ariano aqui emplacava uma busca desesperada por “qualquer coisa que se sinta” catapimba! Vai lá meu avô averiguar se havia motivos para se orgulhar do sobrenome que tinha.

De qualquer maneira, valem algumas palavras sobre o Zé. Primeiramente, pode-se dizer que caso fosse, a sua vida, um roteiro de cinema, esbarraria num clichê. Salvo de culpa, diga-se, mas um clichê. José, de Deus, foi dar com a profissão de carpinteiro, a exemplo daquele outro, o bíblico. Houvesse cismado com a idéia de chamar um menino, da sua prole de oito, de Jesus, aí seria complicado. Melhor foi a idéia de nomeá-los partindo da letra A. Logo, ei-los: Ademir, Antônio, Advanir, Adriano, Áurea, Aída, Anísio, e Hamilton, meu pai, que já nasceu meio do contra.

Zé de Deus aventurou-se pela Brasília infanta. Chegou-se para trabalhar, e trabalhou. Era homem de casar, e casou. Com a ainda hoje belíssima Dona Zilda. Um tesouro, posso afirmar. E não é coisa de neto coruja! Trata-se de um belíssimo casal. Dona Zilda me confessou um dia que, ainda jovem, normalista, viu chegar um homem alto, bem vestido, e mandou essa: "vou a São Paulo ganhar a vida! Quando voltar, casaremos". Pensei comigo, "mas que caô"!!! Mas não é que deu certo...! Enfim, era uma época romântica, e Zé de Deus era mesmo um partidão. Há uma foto antiga de meu avô que é um espetáculo. Elegantíssimo num fato claro traz no cume um chapéu, exatamente ao estilo Waldick Soriano, manja? Daqueles que pendem para um lado? Uma beleza.

O vô, tal e qual a maioria dos avôs de cinema, era meio caladão. Jeito de sábio, como reza a cartilha dos mais velhos, ou como espera-se que sejam, depois de tantos caminhos e descaminhos proporcionados pelas décadas idas. E desde muito pequeno, lembro-me de pouquíssimos diálogos com ele. O que, na verdade, despertava em mim uma empatia considerável. Acho que fui uma criança muito reservada, e encontrava nos silêncios do vô, um espaço de interlocução verborrágico!

Lembro-me, por exemplo, de tardes idas em que o observava trabalhar em sua oficina, que mantinha nos fundos da casa do Gama. Era um verdadeiro barato ficar ali, eu, ele, e a barulhada infernal que fazia a serra incansável, rrrhhhhéééééémmmm, e ia lá uma tora partida, rrrhhhhéééééémmmm, e ia lá uma outra. E nesse ínterim preenchido de barulhos estrondosos, o silêncio ensurdecedor de nossas vozes caladas. Eu a observá-lo, sem piscar, temeroso de que o fio torto das serras lhe pudesse decepar um dedo – quiçá o mindinho – e ele sem desgrudar os olhos de mim, temeroso, decerto, de que eu traquinasse suas ferramentas.

E entre uma martelada e outra, soltava o assobio enigmático que ele desenvolveu com os anos. Um assobio engraçado, meio rangido, que ele fazia escapulir por entre os dentes sempre serrados. E ele fazia uma cara ótima, como se estivesse sorrindo de lado ao assobiar. Mas, claro, como os avôs de cinema que pouco falavam, pouco sorria. Bem pouco, mas de maneira certeira. Sempre que chegava para visitá-lo, me sorria brevemente, e eu atento para não perder estes tais preciosos segundos. Um abraço, “bença vô”, “Deus te abençoe”, e já corria para o mundo particular de sua oficina, para compor mais uma vez a sinfonia de assobios esquisitos e rangidos de madeira.

A cumplicidade, não canso de dizer, muitas vezes se esboça nos silêncios compartilhados. Como os monumentos dos parques, quase sempre imóveis, muito pouco interativos, mas que cuja sombra, pode-se confiar, estará sempre ali para aparar o inclemente sol.

Enfim, o fim. Simples assim. Seu Zé de Deus, vá com este, que todos nós, cedo ou tarde, lá também chegaremos.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Quero dormir...

Quão ingratos são os sonhos. Não tenho pesadelos, e não os temo. Tenho, antes, a narrativa incômoda de cobranças oníricas, de atos e (des)atos - estes últimos, mais que os primeiros -, destes tantos que tenho feito nas áreas menos sonâmbulas de minha realidade.