editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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terça-feira, junho 14, 2005

De como as cartas nos podem fazer infinitos.

“Escrevo poesia à mão. O batuque das teclas não combina com o ritmo da mente e a música das palavras” (Mário Quintana)

O pensamento de um dos meus guias me remete à resistência que tenho aos e-mails e outras maluquices miraculosas da comunicação virtual (a exemplo dos blogs, claro). Há sempre o temor de minha parte de não poder traçar minhas letras ao sabor de um toque mais suave de minhas mãos. Justamente por isso me preservo de comunicar eventos de suma importância para meu espírito através das telas frias e muitas vezes estéreis dos computadores.

Em contrapartida, louvo as cartas. Do modo antigo e romântico das comunicações de outrora. Tenho, aliás, certa devoção ao toque do papel que será, mais tarde, abraçado pelo destino endereçado. E não se trata de uma força de expressão, pois, ante a insolúvel questão de um par distante, o que mais consola é trazer ao peito aquela folha desdobrada, como se desdobrada fosse a distância que separa as intenções dos gestos. Convenhamos, alguém aqui já abraçou a tela de um computador? (não responda, bruxinha!)

De qualquer maneira, guardo uns tantos receios quando, diante de mim, me desafiam as teclas insurretas. Não as tenho como parte de meu corpo, como por vezes faço, da ponta do lápis, a unha a ser roída pela cisma de um inseguro bem-querer manuscrito. Não raro, o papel leva o vestígio de lágrimas que saem sem-querer-querendo, e vão ser enxugadas somente na primeira de tantas lidas. Melhor ainda quando o envelope aberto vizinho à narina revela o aroma daquele corpo que lhe tem tanto apreço.

É na grafia de meus pensamentos, que deposito um quinhão de minha própria alma. Da maneira mais ridícula possível (não é mesmo, sr Pessoa...).

Há quem diga que as cartas não passam de monólogos querendo ser diálogo. Sei não! Acho que, antes disso, são diálogos intermináveis, posto que são revividas a cada releitura nas épocas que se vão. E que leve uma década, oras!, cartas não têm essa pressa, essa sangria desatada dos parágrafos eletrônicos.

De minhas mão, nas cartas, saem palavras que carregam pedaços de mim. Sejam nas lascas tímidas de meu coração, sejam nos pretensiosos nacos de meu cérebro, são inúmeros fragmentos, espalhando e dividindo minha existência aos milhares. Penso que, ao final de minha vida, terei espalhado tantos pedaços de minha pessoa que, se juntos, formariam uma outra, o que me leva a crer na formidável faculdade das cartas de guardarem em si um incógnito efeito multiplicador de corpos.

E para pessoa distante, apenas um recado:

“Estas frases são a minha voz
Esta carta... Sou eu!
Meu coração desfaz-se num grito
Se pudesse beijar por escrito
Com os lábios leríeis cartas minhas”
(Cyrano de Bergerac)