editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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quarta-feira, maio 11, 2005

Homenagem, mais que merecida II.

Hoje, há uma mulher a povoar meus sonhos. Na verdade, incontáveis foram as vezes em que sonhei com a dita e, em cada qual, suas mãos percorreram deliciosamente meus cabelos (outrora tantos), dando-me, além de sono, um breve sinal do que seria a perfeita eternidade. Zilda Guimarães Perpétuo Miranda, ou algo próximo a isso. É o consta na carteira de identidade surrada, amarelada, e, ao que parece, “mais velha que a cidade em que você nasceu”. Com muito orgulho, diga-se. Na bagagem, 1,56 de muita graça, e curvas que cabem tão bem no vestido florido de chita, que penso estar diante da topmodel das carolas da paróquia de Alexânia. Em seus quase 80 anos de atividade, cabem, estou certo, pouquíssimos pecados, mas que são insistentemente confessados a cada oportunidade. Se eu fosse padre, no entanto, mandaria Dona Zilda rezar umas tantas avemarias e outros mais painossos por ter dado um ataque de baixa auto-estima a essa idade! “Pareço mais um botijãozinho estampado”, ela garante. Eu, loucamente apaixonado pelas infinitas rugas que desenham sua pele marcada por anos e anos de beijos do Sol, retruco veementemente. E faço cara de bravo. Ela ri. Mas não de minhas tatuagens! “Essas coisas de jovens”. “Mas vó”, tento argumentar, “são poesias!”. “Antes fossem salmos”, rebate a anciã, demonstrando que, mesmo que o início da conversa seja apagado de sua memória pelos males inventados pelo Deus que ela tanto ama, seu raciocínio é rápido o bastante para deixar seu “neto-homem-mais-velho” um bocado orgulhoso.

Quando pequeno, passava muito mais tempo com ela. Lembro-me pouco destes dias, mas, quero crê-los felizes, numa plenitude alcançada apenas e tão somente pelas mais belas infâncias idas, queridas, que os anos não trazem mais. Melhor assim. A tal da Vida é constituída de uma enormidade de outras vidas, e anos, e infâncias. “Que se vão, sempre vão!”. As rugas ladeando seus olhos é que o dizem. E quanto mais diriam, se quisessem?

Na despedida - após me deleitar com seu sorriso inabalável -, nos olhamos muito longamente. Compreendemos, numa cumplicidade perfeita e silenciosa, que estes nossos encontros não se repetirão tantas outras vezes. “Deus sabe o que faz, menino!”. Duvido. Mas sei que as marcas em mim impressas por esta mulher durarão mais que as tatuagens no meu corpo.