editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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terça-feira, maio 03, 2005

Crônica para o ontem, ou de como olhar para trás pode se tornar por demais doloroso.

E na seqüência natural de quem comete um crime, voltei hoje à cena: fui ver meu antigo lar. O barulho da chave perfurando a porta fez a pulsação acelerar: era a primeira vez que o veria vazio desde algum momento feliz de anos atrás. “Mas porque o coração pulando à boca?”, me perguntariam os desavisados. Ora, pois estava vazio de mim. E lá fui eu entrando. “Ô de casa”, gracejei. Meu lar, franco, emudeceu.

Tratou-se de um reencontro, algo de velhos amigos que, pela distância do tempo, mal se reconhecem. “Mas juro que faz pouco tempo”, ele me disse! Mas ao vê-lo destituído de minha presença, pego-o descaracterizado, não, melhor, desmascarado de sua função de lar.

Como quem fica no cais, minha voz em seu interior entoou um lamento, enquanto fui visível naquele local perdido da Capital Federal. “Bons momentos”, argumentei! “Que você leva consigo”, ele completou! Por desventura, era ele quem estava certo. Engoli seco, e aceitei, mas não sem antes dar uma última – e boa – olhada.

Além de umas muitas marcas na parede, que remetiam a certas lembranças – como a marca do chute na parede de 2003, ou a do arrasto de meu corpo, ao lado do local onde ficava o colchão, na parede de 2004 – pouca coisa ficou. E como é louco este mundo em movimento... até pouco tempo atrás era este meu refúgio, meu porto seguro.

Hoje, figura no hall das muitas moradas deste ariano caminhante. Apenas mais um, mas sem constrangimentos. “Johnny Walker... Keep Walking”, ele me fala, ainda agora, em pensamento, num arroubo humorístico para tentar irromper um sorriso no silêncio da despedida. Sorrio, naturalmente falso. Deixei-o para trás, e percebi que mudanças são abandonos consentidos, mas apenas por não poder fazer nada, absolutamente nada, o lar preterido por outro.