editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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terça-feira, maio 31, 2005

Sobre silêncios e falas.

Muitas pessoas me têm arremessado objetos pontiagudos ao longo deste quarto de século vivido. Dentre tais, os mais comuns: palavras, frases, períodos..., empunhadas como armas que, gritando um silêncio ensurdecedor, calam as mais variadas emoções. Dissimuladas, palavras ditas para interlocutores surdos, utilizadas como escudos que escusam a boca do verdadeiro embate. Frases que se valem de um dispositivo utilíssimo quando o assunto é construir ilusões: as entrelinhas. Há quem justifique que não passam de elementos das comunicações sofisticadas. Mas essas agruras de entrelábios têm servido a propósitos escorregadios.
Das promessas que selam amizades, às juras que cancelam amores, falas que se proferem ao léu se perdem no tempo sem semear o vento. Já os silêncios – dos gostosos, como fins de tarde intermináveis, em intermináveis colos – se marcam por dentro e para dentro das mentes que ouvem. Um mínimo de concentração e do baú das memórias jamais se distanciarão. Um silêncio compartilhado torna cúmplice o interlocutor. É inevitável.
Entretanto, silêncios não são ausências. Não são as frases-barreiras que servem à covardia. Representam a identificação entre corpos, e destes, entre as almas. Tanto que os melhores comunicadores incrustados em nós são os olhos, que não se remetem ao próximo com o vão das palavras onerosas – quanta saliva desperdiçada! Desconfio da garganta que brada a bravura – que é a mesma que urra a dor – bem como da língua que grita o ódio – que é a mesma que geme o desejo.
Aliás, até mesmo esse tal de ódio nos ensina sobre o que se deve escutar, pois o som que melhor o representa é o silêncio da veia que salta. Algumas faltas de falas evidenciam um poder revelador de comunicar o que se quer esconder.
Cuidar ao dizer. Apuro no escutar. E a cada revelação silábica, torça as orelhas ao comparar as reações. Cada miligrama de carne trêmula fala uma língua própria, que grita e fala e comunica, e que se cala ante a primeira palavra proferida. No Silêncio se sabe mais, pois se sabe o saber de si, de cada um. Repara nos lábios mudos da amada(o) para avaliar melhor a imensidão do que se sente. Se lá não houver, pulando à boca, caloroso desejo, encare cada jura de amor como ação de despejo. Se nos olhos do amigo(a) não houver nada que ecoe a profunda eternidade, encare cada bom conselho como ato de escárnio e insanidade.