editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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domingo, agosto 27, 2006

A vingança de Plutão

João Bosco, aclamado como um dos maiores violonistas do Brasil, mostrou, em noite de encanto para a música em Brasília, que também é exímio contador de histórias. O show realizado semana passada mostrou a excelência de um músico e compositor que, mesmo com problemas (e sérios) de qualidade de som, fez de seu bom humor e carisma tempero adicional ao evento, contando causos entre um chiado e outro, vindos das entranhas obscuras das caixas de som.

Fruto de seu último trabalho (e primeiro gravado em DVD), o espetáculo de apresentação única em Brasília começou reverberando mal no amplo espaço do teatro nacional. Os engenheiros e técnicos de som eram os únicos ali que destoavam da apresentação. Ora faziam sumir a voz de João Bosco. Ora aumentavam o volume da guitarra a níveis tamanhos que os cães dos arredores responderam com uivos de agonia. E em meio a tamanha falta de zelo com nossos sensíveis ouvidos, doía mais a mordida em nossos bolsos, devido aos salgados 40 mangos (meia entrada) investidos.

Os Astros no céu e no palco

Entretanto, é sabido que melhor remédio não há que rir da própria desgraça. João Bosco, inicialmente constrangido com a falta aparente (ou evidente) de profissionalismo, logo logo observou o motivo daquilo tudo. “Gente, é a vingança de Plutão”, disse sob risadas gerais. Aliás, o astro rebaixado foi alvo constante das zombarias do excepcional músico. “Que ele deixasse de ser planeta tudo bem, agora, rebaixá-lo a planeta-anão é sacanagem”, arrematou. Mas os astros (se não Plutão, todos os outros) riram para a platéia que, embalada pelas brincadeiras, pode ver a execução magistral de clássicos do próprio Bosco, como outros tantos da MPB.

E como se não bastasse a maestria do violonista, cada um dos integrantes (baixo, bateria, percussão, guitarra e três metais) tocou irrepreensivelmente. Espetáculos aparte. Destaque para o percussionista-dançarino que bailava ao som de “flores do mar, festa sol...”. Sem contar que o baterista só não fazia chover no Teatro Nacional. Numa noite cheia de magia e encanto, cheguei a pensar que as baquetas eram divididas em pelo menos quatro mãos. O guitarrista dedilhava ora com a doçura de quem toca a mulher amada, ora com a ferocidade que se dispensa à quem bole com ela. O conjunto de sopro, aleluia, apresentou um verdadeiro vendaval, varrendo pra lá a má impressão do início do espetáculo. Xô urucubaca!

Do Jazz ao Candomblé

Que João Bosco tem “um pé no terreiro” ninguém há de duvidar. A freqüência com que evoca os orixás do Candomblé nas letras de suas canções é um bálsamo para a alma de quem muito simpatiza com a cosmogonia iorubá. Claro que a referência ao batuque das noites de magia está presente nas composições de seus ritmos e melodias. Atabaques pra que te quero, o percussionista sentou a mão no couro!

Uma aproximação que enriquece, “num crescendo”, (adoro esta expressão) na medida em que chega à MPB o virtuosismo e experimentação do Jazz ("djés" não, caro leitor, é "jás" mesmo, assim o prefere João), muito presente nas “vassouradas” do baterista, e nos arranjos dos metais. Ao final do show, estando já distantes as agruras do som, pensei no quanto devemos à musicalidade da África (ou das muitas Áfricas). Seja do Jazz de Nova Orleans, seja dos batuques de Salvador, no final das contas, é tudo “música de preto”: enérgica, maravilhosa e cheia de mistérios. “Gosto tanto dela assim”.