editorial de uma renúncia

Do dia em que acordei e tive uma leve impressão de que nada era assim tão grave...

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quinta-feira, julho 10, 2008

Colheita distante

Estranho é o alívio de voltar pra casa depois de uma viagem. Uma sensação de que o furacão parou de girar, a terra parou de tremer. Estranho é o prazer de, novamente, ser o que era. O mais-do-mesmo. Cotidiano. Ano após ano o mesmo. Ainda que saibamos que, dentro em pouco – bem pouco – passaremos a desejar novamente a viagem, o estar em trânsito, o ser estrangeiro. E com maior intensidade, diga-se. Mas o instante primeiro de deitar as bagagens ao chão da casa, de assentar neste chão o que trouxemos da viagem, e assentarmos nós mesmo neste cotidiano chão, alivia. Um instante apenas que confunde o gozo do viajante com o suplício do seqüestrado. E talvez isso: seqüestramo-nos durante alguns dias, para depois nos libertarmos.


Estranho prazer de retomar aquilo que queríamos distante: um tanto de nós mesmos, um tanto de nossa vida. Talvez essa retomada carregue consigo o sabor do reinício. Do recomeço. De saber que nunca voltamos de uma viagem impunes, isentos de sermos outro. Nem o anterior que se pôs a viajar, nem o aquele que esperávamos voltar. Um outro, inteiramente outro. Um desconhecido tão habitual. Um incógnito arquiconhecido. Um clandestino que mora em nós.


Clandestino esse que não pertence, de fato, à casa de agora ou à pensão de outrora. Desconhecido que trará nos olhos a ânsia da novidade. Incógnito que poderá receber, à luz do dia, a brisa inaugural – quiçá prima distante daquele primeiro sopro da criação. E que, sobretudo, não portará aparelhos nefastos, destes que substituem o poder da memória – sempre criativa – pela rigidez de imagens fixas, extorquida de nossos olhares. Não. Esse clandestino portará apenas o instrumento da voz que narrará a experiência colhida, e no narrado, reviver infinitamente o deleite da viagem, a saber: é preciso se perder para se encontrar.